domingo, 20 de janeiro de 2013

55

"Apesar de ser o dia do seu aniversário, Bira não estava feliz. A família resolveu organizar uma grande festa, com direito a banda tocando os sucessos do passado, muito comida e bebida e a presença maciça dos amigos e parentes. Fazer 55 anos seria motivo de alegria para qualquer pessoa, menos para Bira...
Ele era o caçula de 5 irmãos. Filho temporão, Bira sempre foi mimado pelos irmãos mais velhos. Seus pais eram comerciantes no interior de Minas Gerais e mesmo quando foram saindo da cidade pequena para centros maiores, os irmãos continuaram ligados.
O motivo da tristeza de Bira era uma infeliz coincidência: seus quatro irmãos morreram aos 55 anos.
Aquele portanto, seguindo a sina familiar, poderia ser o seu último aniversário.
Nove anos depois do falecimento de sua última irmã, chegara a vez dele encarar o duplo 5.
Justificável, portanto, a apreensão sofrida por ele.
A festa corria solta. As pessoas dançavam e conversavam. Alegria total. Até Bira se contagiou. Tomou umas cervejas e estava bem solto. Cinco minutos para a meia noite, ainda fizeram uma surpresa. As luzes foram apagadas e começou a passar um vídeo, incluindo fotos antigas. Todos se emocionaram. E na virada para o dia 5 de maio de 2010, os presentes cantaram parabéns. E a festa continuou até o amanhecer do dia.
Apenas quando Bira chegou em casa, caiu a ficha. O próximo ano seria todo de angústia. Cada dia poderia ser o derradeiro. Bira completara 55 anos.
Nos primeiros dias, Bira redobrou a atenção. Seguia todos seus extintos. Não saia de casa em dia de chuva com medo de raios ou acidentes. Comia apenas em casa e da forma mais natural possível. Viagens, nem pensar. Nem na chácara, Bira ia mais, com medo de picada de cobra ou qualquer outra surpresa existente no meio rural.
Os dias iam passando e Bira seguia vivendo cada dia como fosse o último.
Aposentado, Bira podia se dar ao luxo de ficar trancafiado em casa. As tarefas da rua era cumpridas por sua esposa, que mesmo reclamando da paranóia do marido, ajudava Bira na sua missão de chegar aos 56 anos e continuar a vida normalmente.
Porém, chegou o fim do ano e não tinha jeito, Bira teria que sair de casa. Depois de muita luta, Rodrigo, filho mais velho de Bira, se formaria em Medicina.
As solenidades estavam marcadas para a primeira semana de dezembro e Bira não poderia fazer aquela desfeita com o filho.
No dia da colação de grau do rebento, Bira acordou diferente. Sabendo que não tinha como escapar, Bira resolveu encarar o destino. Saiu cedo comprou uma camisa e um sapato. Cortou o cabelo. Até almoçou no shopping, ao lado da esposa. Voltou prá casa, se arrumou e saiu com destino ao local da colação de grau do filho. Quando chegou ao auditório, todos se levantaram e o aplaudiram. Bira era conhecido por sua história. Até na TV tinha aparecido.
A surpreendente presença dele em um evento público atiçou os curiosos.
Bira tinha saído de casa.
A solenidade transcorreu dentro da normalidade. Ao final, Bira voltou para casa, são e salvo, apesar da chuva que despencou naquele fim de noite.
No dia seguinte, Bira percebeu que não adiantava ficar em casa. O que teria de acontecer, aconteceria.
Tudo se inverteu. Outrora vivendo como um ermitão, Bira agora passou a sair de casa todo dia. Marcou viagens. Voltou a chácara. Foi ao estádio e a shows. Passou a 'curtir' a vida.
O natal foi com a famîlia mas o reveillon Bira passou em copacabana. No carnaval, Bira foi para Salvador, apesar dos protestos da patroa, que achava que o marido estava exagerando.
Os dias passavam e Bira até se esqueceu que tinha 55 anos.
Até que chegou o dia 4 de maio. Faltava um dia para seu aniversário de 56. Bira não ia dar mole. Seria o primeiro dos irmãos a atingir aquela marca. Bastava chegar o dia seguinte. Resolveu voltar a se trancar em casa. Acordou, tomou café e foi para o quarto. Ficou o dia trancafiado. Só saia da cama para beber água e na hora das refeições. Meio-dia. 14 horas. 18 horas. 20 horas. 22 horas. Bira ficou com sono. Escovou os dentes. Deu um beijo na esposa. Voltou para cama. Agora para dormir. Fechou os olhos. Rezou. Lembrou dos irmãos. Caiu no sono.
...
Pela manhã, como fazia sempre, a esposa de Bira acordou cedo e foi preparar o café do marido.
Ligou a TV bem baixinho, para não acordá-lo. 8 horas. 9 horas. 10 horas. E nada do Bira acordar. Com medo do que poderia ter acontecido com o marido, Joana não quis entrar no quarto. Ligou para Rodrigo, que veio correndo. Joana e Rodrigo se abraçaram e começaram a chorar. Conheciam o medo que Bira tinha da morte. Medo que acontecesse com ele o que acontecera com seus irmãos. Enquanto choravam, criavam coragem.
Entraram no quarto e Bira estava lá, imóvel. O coração teria derrubado Bira? A sina daqueles irmãos estaria completa?
...
Dr. Rodrigo abriu a janela. Encheu o peito de coragem e foi em direção a cama do pai. No chão, um frasco de comprimidos vazia. O médico pensou o pior. Joana ficou na porta do quarto, imóvel e de olhos fechados. Já era 5 de maio. Bira já tinha chegado aos 56. Bastava que abrisse os olhos. Quando o filho se aproximou, Bira abriu os olhos.
- o que está acontecendo?
- nada pai, nada....
Rodrigo deu meia volta, abraçou sua mãe e ambos sairam chorando.
Bira ficou com cara de tacho, sem entender nada. Só então lembrou do seu aniversário... "



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